Que vença o mais saudável: a realidade brutal dos playoffs da NBA

O campeão merece respeito, mas os caídos merecem contexto

Finais da NBA de 2025. Jogo 7. Tyrese Haliburton está no melhor momento de sua carreira. Ele acerta uma sequência de triplos e parece pronto para levar o Indiana Pacers ao impossível — o primeiro título da história da franquia. Mas, de repente, tudo congela: após uma tentativa de infiltração, Haliburton cai no chão e não rompe apenas o tendão de Aquiles — rompe também o jogo dos seus sonhos e as perspectivas de sua promissora carreira.

Haliburton é só o mais recente nome em uma lista que não para de crescer. Uma lista na qual carreiras interrompidas viram estatísticas, em que diversas equipes veem suas temporadas desmoronarem por conta de problemas físicos — e são frequentemente tratadas como um simples fracasso. Lesões sérias em momentos cruciais têm se tornado quase um triste ritual da NBA moderna. E, em muitos casos, não se trata apenas de azar, mas sim de um sintoma mais profundo.

A edição de 2025, talvez, seja o exemplo mais cruel dessa realidade. Três jogadores — Damian Lillard, Jayson Tatum e Tyrese Haliburton — romperam seu tendão de Aquiles em sequência durante os playoffs. O Cleveland Cavaliers, portador da melhor campanha da Conferência Leste, com 64 vitórias, caiu na segunda rodada com mais da metade do elenco titular jogando no sacrifício. E ainda assim, a lesão no esporte é vista com um certo estigma, como se fosse apenas um azar. Não é sobre dar desculpas, mas sim enxergar o que há por trás da recorrência de derrotas que parecem inexplicáveis.

A saúde é a parte central do desempenho — não um detalhe, mas sim um pilar de sucesso no esporte. Estar disponível é uma habilidade. Um jogador com a mobilidade comprometida, jogando menos do que seus 50%, não é o mesmo atleta. Quando peças do elenco estão limitadas fisicamente, não importa o número de vitórias conquistadas e a identidade construída ao longo da fase regular — o time não será igual em essência e provavelmente ficará aquém. O Cavaliers de abril a maio não é o mesmo de outubro a março — e isso muda tudo. Na NBA atual, talento leva até os playoffs. Saúde decide quem fica.

A liga cobra excelência física e mental por 82 jogos — somando viagens desgastantes, back-to-backs e pouco tempo de recuperação. Quando chegam os playoffs, os jogadores estão esgotados. O que deveria ser o auge do espetáculo se torna a fase mais instável fisicamente. Em 2025, a quantidade de lesões graves não foi coincidência — foi consequência. E esse padrão se repete ano após ano. Lesões não são acidentes isolados. São sintomas de um sistema esgotado.

É comum ouvirmos que “bons times superam adversidades”. Mas isso é ilusório. Nenhum banco de reservas está preparado para substituir a ausência de uma superestrela. A perda de uma engrenagem principal reconfigura todo o time: rotação, estratégia, confiança. Nos playoffs, com defesas intensas e scouting detalhado, qualquer fraqueza vira alvo.

Isso se exemplifica nas Finais com o Indiana Pacers, que fez todo um planejamento tático em volta de sua principal estrela, mas ficou atordoado e previsível com a estarrecedora saída de Haliburton no começo do Jogo 7. É também exemplificado no desconcertante Boston Celtics sem Jayson Tatum, no desnorteado Milwaukee Bucks sem Lillard, no desconfigurado Golden State Warriors sem Stephen Curry, no encurralado Denver Nuggets com Aaron Gordon no sacrifício e em um Cleveland Cavaliers sem saída, com quatro jogadores no limite.

Na pós-temporada mais lesiva da história recente, fica difícil ignorar uma realidade incômoda: talvez o lema dos playoffs devesse ser “que vença o mais saudável” — não por desmerecer o campeão, mas por reconhecer o peso brutal das ausências.

Lesão é parte do jogo, mas isso não significa que não seja um fator determinante. Reconhecer o impacto das lesões é respeitar a complexidade do jogo e ser justo com o que se vê em quadra. A excelência dos times não pode ser medida apenas pelos resultados dos playoffs, mas também pelo contexto em que esses jogos aconteceram. Se queremos avaliar desempenho com justiça, temos que considerar quem realmente estava em quadra — e em que condições.

Enquanto o calendário ignorar os limites do corpo humano, mais expectativas vão ser frustradas, mais carreiras serão interrompidas, e mais times serão destruídos. Quando três dos maiores nomes da liga rompem o tendão de Aquiles em pouco espaço de tempo, o problema não é azar. É estrutural. A temporada cobra um preço físico que nem mesmo o talento mais puro consegue pagar. Diante disso, os playoffs da NBA se tornaram um campo de batalha onde vence quem sangra menos. Se o auge do basquete é jogado por corpos em ruínas, algo precisa mudar.

Se queremos uma análise séria e honesta do esporte, temos que parar de tratar lesões como nota de rodapé. Elas são, muitas vezes, o parágrafo central. E até que a NBA repense o modelo de temporada e veja seus atletas como seres humanos — ou que a mentalidade ao redor do tema mude — vamos continuar vendo grandes histórias serem cruelmente interrompidas. Porque os playoffs deixaram de ser um palco de glória. Tornaram-se uma guerra de resistência. O sonho do título não morre por falta de ambição. Morre no departamento médico.

Foto: Twitter/X @pacers

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