Entre lesões e sacrifícios, Donovan Mitchell se tornou alvo de narrativas rasas e cruéis
Desde que Donovan Mitchell chegou ao Cleveland Cavaliers, em setembro de 2022, ele transformou a franquia. Trouxe protagonismo, talento e uma postura profissional rara, em tempos onde a lealdade e o comprometimento muitas vezes são subestimados. No entanto, duas narrativas equivocadas e infundadas têm tentado manchar sua trajetória recente: a ideia de que ele forçou a demissão de J.B. Bickerstaff e a acusação de que nunca foi capaz de levar seu time a uma final de conferência por falta de esforço ou caráter competitivo.
Quando o esforço não é visto, resta à mídia inventar motivações que nunca existiram. Após a eliminação do Cavaliers para o Indiana Pacers, o comentarista da ESPN, Kendrick Perkins, espalhou uma narrativa infundada e distorcida de que Donovan Mitchell teria boicotado o ex-treinador J.B. Bickerstaff, assim adiando a sua extensão de contrato para forçar a demissão do técnico.
“Donovan Mitchell, você conseguiu a demissão de J.B. Bickerstaff. Isso é fato. Você não teve contato com ele e não gostava dele. Assim que ele foi demitido, você renovou com os Cavs”, disse Perkins. “Ganhar um campeonato não é divertido, é estressante. J.B. tentou trazer estrutura e responsabilidade para aquele vestiário. Kenny Atkinson, não — ele deu muita margem, tipo: ‘Cara, é divertido’. Não, não é. É estressante na pós-temporada.”
Kendrick Perkins não apenas distorce a verdade, como não se baseia em fatos, pois a demissão de J.B. Bickerstaff ocorreu uma semana após a eliminação, em maio do ano passado, enquanto Mitchell concordou com a extensão contratual quando era elegível, em julho. Não há provas de que Mitchell tenha pressionado pela saída de Bickerstaff. Pelo contrário: nunca expôs seu técnico, apesar das falhas evidentes de gestão. Nunca usou o microfone para se eximir ou criticar.
Além disso, Perkins sugere que o comando de Kenny Atkinson no Cavs foi um fracasso, sendo que o atual treinador transformou um ataque estagnado no primeiro da liga, além de ter levado o time para a primeira colocação da Conferência Leste e ter melhorado a campanha em 16 vitórias.
A tentativa recente de colar em Mitchell a pecha de “assassino de técnicos” é mais uma prova da dificuldade que o público e parte da mídia têm em lidar com jogadores que escolhem o caminho da ética profissional ao invés do espetáculo de polêmicas. Transformaram a decisão de permanecer em Cleveland em um enredo de traição, quando, na verdade, foi um ato de lealdade.
Essa não é a história de um jogador que causou caos: é sobre lealdade sem recompensa. Donovan Mitchell deu tudo por uma franquia que, até então, não havia sustentado um projeto tão sólido quanto o que ele representou com seu caráter, esforço e paixão. Ele entrou no Cavs e vestiu a camisa de um jeito que vai além do jogo. Ele transformou a imagem do time, ergueu a cultura da franquia, deu dignidade ao vestiário.
Em 24-25, Mitchell viveu uma temporada mais madura ao aceitar um papel menos brilhante, distribuindo o seu protagonismo para seus companheiros de equipe emergentes. Nos playoffs, o Cavs lidaram com diversas lesões, inclusive de seu parceiro de armação, Darius Garland, o que deixou o líder do Cavs sobrecarregado no ataque.
Como em Utah, Donovan Mitchell foi um exército de um homem só. Teve atuações excepcionais, incluindo performances de mais de 40 pontos contra o Indiana. No jogo 2 da série, ele foi machucado e derrubado a noite inteira — e, mesmo assim, levantava, continuava a lutar e a honrar o seu time, marcando 48 pontos.
Enquanto muitos duvidavam, ele rompia limites invisíveis, transformando dor em entrega e desgaste em legado. Como seus companheiros de time, Mitchell lidou com uma distensão na panturrilha e uma torção no tornozelo. Ele se recusou a ser poupado: escolheu a dor, escolheu a luta, escolheu honrar a camisa quando muitos teriam desistido. O corpo gritava, mas Mitchell calou a dor para fazer o que sempre fez: carregar uma franquia, sozinho, até onde ninguém acreditava ser possível.
E, mesmo assim, transformaram sua lealdade em suspeita, sua entrega em narrativa distorcida. Não aceitaram sua força, então tentaram reduzir sua história, como no caso de Perkins. Fizeram outra narrativa infundada, apontando a sua ausência na sua carreira de finais de conferência como a culpa da eliminação, acusando-o de não ter capacidade de liderar um time para um campeonato. Mitchell não falhou nos playoffs — falharam com ele, quando não teve a ajuda necessária e, como se sabe, não se ganha um título sozinho.
Donovan Mitchell não merece ser lembrado pelo que nunca conquistou, mas sim pelo que nunca deixou de entregar. Distorceram os fatos, mas não conseguiram distorcer a sua verdade: ele sempre foi o Cavs que o Cavs precisava. Mesmo quando o corpo falhou, ele permaneceu; mesmo quando a narrativa desabou, ele sustentou a franquia nos ombros — silencioso, exausto, mas inegavelmente leal.
Foto: NBA.com / Divulgação
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