Mais do que números: por que a história de Darius Garland precisa ser recontada?
O basquete não é apenas sobre estatísticas; é também sobre narrativas — e poucas foram tão distorcidas quanto a que construíram em torno de Darius Garland. Este texto é um ajuste de contas com a história que lhe impuseram: não, Garland nunca foi pipoqueiro. Ele foi, desde sempre, um profissional que soube se sacrificar em nome do time. Darius Garland nunca fugiu do jogo; fugiram foi da responsabilidade de analisá-lo com justiça.
Enquanto outros receberam liberdade para errar e crescer, Darius Garland foi cobrado como se nunca pudesse falhar. Ainda jovem, foi forçado a provar um valor que sempre teve. Garland cresceu sob o peso de rótulos que não escolheu. Desde calouro, disseram que ele não era “pronto”, que não resistiria. Resistiu. Adaptou-se. Evoluiu. E, acima de tudo, entregou.
Garland entrou na NBA com muita expectativa, mas ainda se recuperava de uma lesão séria no menisco sofrida no college, que ocasionou em maiores dificuldades de adaptação na liga. Em sua temporada de calouro (2019–20), obteve médias de 12,3 pontos e 3,9 assistências por jogo e era frequentemente classificado entre os piores jogadores da liga.
A carreira de Darius Garland foi, desde o início, uma luta contra narrativas, não contra adversários. Desde o primeiro dia, rotularam-no de frágil, subestimaram seu talento e ignoraram seus sacrifícios. Criaram um personagem que não existe: um armador tímido, ineficaz sob pressão. Essas avaliações precoces criaram uma narrativa persistente que não considerava o contexto, o seu potencial e não dava margem para seu desenvolvimento. Darius Garland não falhou em ser o que esperavam dele; falharam em entender quem ele realmente é.
Mas a trajetória de Garland não parou na resistência: ele evoluiu. Superou os primeiros rótulos com trabalho silencioso, lapidou seu jogo e, em pouco tempo, transformou-se em um dos armadores mais completos da liga.
Em sua segunda temporada (2020-21), o Cavaliers ainda era um time em reconstrução, porém Darius Garland deu um grande salto no seu desenvolvimento, quando melhorou suas médias com mais agressividade para 17,4 pontos por jogo. Além da melhora na pontuação, Garland refinou a sua leitura de jogo e aprendeu a organizar melhor o ataque, distribuindo 6,1 assistências por partida. Ele se tornou o armador principal ao lado de Colin Sexton e desenvolveu química com jovens do elenco, como Jarrett Allen.
Se a temporada anterior foi marcada pela sua evolução, a próxima (2021-22) foi marcada pela sua explosão. Com a ausência prolongada de Sexton, Garland se tornou o rosto do time, virando o motor ofensivo. Ele passou de um reativo para um manipulador de defesas, assim criando vantagens para si e para os companheiros de time. Neste ano, Darius Garland levou a sua equipe para o play-in, além de se consolidar como estrela e um dos melhores armadores da liga, sendo assim selecionado para o primeiro All-Star Game da carreira.
Em 2022-23, Donovan Mitchell foi trocado para o Cavaliers. A chegada de Mitchell não foi um obstáculo para Garland, mas uma oportunidade de provar sua maturidade: ele não resistiu à mudança, adaptou-se, abriu mão de protagonismo e fortaleceu a equipe. Garland não perdeu espaço com Mitchell; ele ganhou respeito ao mostrar que sabia sacrificar estatísticas em nome de vitórias.
“Olha, esse é um cara jovem que poderia facilmente dizer: ‘Não, esse é o meu time. Quem é você?’”, disse Mitchell. “E para ele ser sem ego e conseguir dar esse passo para trás, você gosta de brincar com isso. Você quer construir com isso. Você quer trabalhar com isso no dia a dia, para que se torne altruísta.”
Garland evoluiu de um armador dominante com a bola para um criador complementar e versátil, capaz de alternar funções com Mitchell: ora iniciava jogada, ora finalizava. Resumindo: menos volume, mas mais eficiência tática.
Reduzir a trajetória de Garland à perda de protagonismo é não entender sua grandeza: ele optou por transformar uma dupla improvável em uma parceria letal. Ele não recuou frente a uma estrela; ele escolheu competir com ela, dividir responsabilidades e fazer do Cavs um time mais perigoso.
A adição de Donovan Mitchell transformou o Cavaliers em um time competidor, levando Darius Garland à sua primeira aparição na pós-temporada. Os playoffs de 2023 contra o Knicks marcaram a primeira experiência do jovem armador sob os holofotes da pós-temporada — e, ao contrário do que muitos disseram, ele não se escondeu. Lutou até o fim, assumiu a responsabilidade e fez o que estava ao seu alcance para manter o time vivo.
A série ficou marcada pela inconsistência ofensiva do time inteiro, principalmente de Jarrett Allen e Evan Mobley, enquanto Garland e Donovan Mitchell tentaram carregar a equipe. Mitchell, inclusive, foi mais criticado pelo desempenho abaixo, enquanto Garland teve bons momentos, mas pagou pela inexperiência do elenco.
Na série contra o Knicks, mesmo sendo os primeiros playoffs da carreira, Garland liderou o time em vários momentos e, mesmo com altos e baixos, foi um dos poucos a manter o nível competitivo. Teve médias superiores a 20 pontos na série, incluindo atuações corajosas, especialmente no Jogo 2, quando foi o motor da vitória de Cleveland, cravando 32 pontos e chamando a responsabilidade. Na selva dos playoffs, Darius Garland foi um dos poucos Cavaliers que escolheram lutar até o fim. Não dá para ignorar a produção dele só porque o time como um todo fracassou.
A temporada 2023-24 foi a mais delicada e talvez a mais mal interpretada da trajetória de Garland. Teve um começo meio inconsistente e, quando estava pronto para decolar na temporada, sofreu uma fratura no maxilar, que o fez colocar um ferro na boca, que impedia até mesmo de falar e comer apenas com o auxílio de canudos, assim resultando em perda de peso. Além de enfrentar a lesão, teve que lidar com dilemas pessoais, como a perda de um parente próximo. Diante disso, Garland revelou, na época, que perdera a sua alegria pelo basquete.
Darius Garland enfrentou dificuldades de condicionamento físico e de confiança, além de ter ficado fora do ritmo na hora mais decisiva da temporada: os playoffs. Infelizmente, o basquete é movido a estatísticas, não a contexto, tampouco a humanidade. Garland foi duramente criticado pelo seu baixo desempenho na pós-temporada, frequentemente aparecendo em rumores de trocas e até sendo questionado se seria capaz de dividir a quadra com Donovan Mitchell. Na era das estatísticas frias, poucos lembram que, por trás dos números, há um corpo desgastado e uma mente pressionada.
“Esse é o maior problema dos dias atuais: ninguém lembra do que você fez antes, da sua história; só querem saber do que fez ontem e, se foi algo abaixo, você está acabado”, disse Mitchell sobre Garland. “Darius tem uma história aqui, e a vida aconteceu. Ele teve problemas, óbvio que ele não estaria 100%. Agora ele está recuperado e sendo a peça que nos ajuda dia após dia a chegarmos mais perto dos nossos objetivos.”
Em 2024-25, Donovan Mitchell sacrificou o seu protagonismo em nome da evolução de Evan Mobley e Darius Garland, distribuindo seus pontos e dominância, assim dividindo seu protagonismo com os seus companheiros de time emergentes. Garland teve uma temporada que chamou de “temporada da vingança”. Foi selecionado para o segundo All-Star Game da carreira e, com a sua leitura afiada de jogo, foi um dos maiores contribuintes para o ataque de primeiro lugar do Cavaliers, que acumulou 64 vitórias
Os playoffs terminaram de forma precoce para os Cavs e, como sempre, o público escolhe alguém para apontar. Como das outras vezes, é Darius Garland. Transformaram o talento discreto de Garland em um problema, quando, na verdade, ele sempre foi parte da solução. O Pacers foi o time mais lúcido, mas a sensação de que a situação seria diferente se Garland estivesse disponível é viável. O ataque seria mais fluido, Mitchell seria menos sobrecarregado, Mobley e Jarrett Allen jogariam com mais liberdade, além da movimentação de bola.
Mas, ao invés de seu valor para o time estar sendo valorizado, estão pedindo a sua ausência quando seu nome está sendo associado a rumores de troca. Isso mostra indiferença à sua história e esquece o ato mais corajoso que fez em sua carreira.
Este playoff não expôs fraquezas, mas revelou a fibra moral de um jogador que preferiu a dor à ausência. Chamaram-no de pipoqueiro, mas se esqueceram que pipocar é fugir — e Garland nunca fugiu. Ele ficou, mesmo quando o mais prudente seria partir. Poucos perceberam que cada passe, cada infiltração, era um ato de resistência, uma vitória contra o próprio corpo.
Poucos se lembram, mas Garland jogou os playoffs inteiros com uma lesão no dedo do pé, que o afastaria por dois meses, além de comprometer a mobilidade e reduzir a velocidade. Ele poderia ter escolhido o repouso, poderia ter priorizado a própria saúde — mas escolheu lutar, mancando, resistindo, sem fazer alarde. Enquanto muitos o acusavam de sumir, Garland permanecia em quadra, mesmo quando seu corpo gritava para parar. Coragem não é sobre espetáculo, é sobre compromisso silencioso. Coragem é seguir jogando quando o corpo diz não, quando a crítica diz não, quando até os números dizem não. Garland escolheu o sim.
Darius Garland nunca foi um erro, nunca foi um equívoco, nunca foi um obstáculo para o Cleveland Cavaliers. O que ele foi — e segue sendo — é uma das histórias mais mal contadas da NBA recente. Reduziram sua trajetória a estatísticas frias, ignorando o contexto, os sacrifícios silenciosos, as dores caladas e as escolhas corajosas. Chamaram-no de pipoqueiro quando, na verdade, ele foi o único que ficou. Ficou quando seria mais fácil recuar, ficou mesmo com o corpo quebrado, ficou mesmo com a alma esgotada.
Este texto revisitou sua história para fazer justiça: Garland nunca fugiu do jogo; fugiram foi da responsabilidade de compreendê-lo. Ele não falhou em corresponder às expectativas; falharam em enxergar sua grandeza discreta. Cada passe dele, cada infiltração, cada jogo jogado mesmo com a dor lancinante de um pé lesionado, não são números — são declarações de resistência.
No fim, a verdadeira grandeza de Darius Garland não está no que os olhos distraídos veem, mas no que os olhos atentos percebem: o compromisso silencioso, a ética de nunca abandonar o time, a coragem de lutar quando tudo o empurrava para desistir.
E, talvez, essa seja a essência do basquete: não o espetáculo fácil, mas a permanência difícil. Não a vitória barulhenta, mas a resistência silenciosa. Garland ficou. E ficar, quando o mundo inteiro quer te expulsar, é o ato mais revolucionário que existe.
Darius Garland não foi feito para agradar quem só vê estatísticas. Ele foi feito para inspirar quem entende que a verdadeira força está naqueles que, mesmo desacreditados, seguem jogando. Até o fim.
Foto: Twitter/X @cavs
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