O custo invisível da ascensão de Evan Mobley

Enquanto a narrativa busca um franchise player, Cleveland prova que sua força está no coletivo.

Toda estrela nasce de um brilho. Mas o brilho, por si só, não explica nada. Ele precisa de um céu que o acomode, de uma noite que o revele, de outras luzes que aceitem não ser o centro.

Na NBA, narrativas são construídas rápido demais. Premiações individuais, uma evolução estatística, um título de “Defensor do Ano” — e, de repente, já temos o próximo “franchise player”. Em Cleveland, esse personagem atende pelo nome de Evan Mobley.

Aos 24 anos, sua ascensão parece inevitável. Para muitos, o rosto do futuro do Cavaliers já está definido. Porém, sua trajetória em Cleveland não é apenas a de uma jovem estrela talentosa em ascensão, mas a de alguém que encontrou em seus companheiros a base para transformar potencial em realidade. No entanto, por trás do brilho de Mobley existe uma história que raramente aparece nas manchetes: a história de quem cedeu, de quem sacrificou, de quem se apagou para que ele pudesse brilhar.

A Promessa

Evan Mobley foi o terceiro nome proclamado no Draft de 2021. Um nome que não vinha apenas como a promessa de revolucionar o Cleveland Cavaliers, o time que o escolheu em reconstrução, mas também acompanhado de um rótulo que não era pequeno: “a nova fronteira do basquete moderno“. Vindo da USC, Mobley carregava atributos que o diferenciavam de outros pivôs novatos, pois apresentava mobilidade lateral rara, instintos defensivos quase naturais e inteligência para cobrir múltiplas funções.

21-22: O novato e o maestro esquecido

O primeiro ano de Evan Mobley ficou gravado por seu impacto defensivo imediato. Mobley não apenas jogava defesa; ele sabia pensar a defesa. Sua capacidade de contestar arremessos, trocar no perímetro contra armadores velozes e proteger o aro gerou comparações precoces com grandes defensores da história. O novato aprimorou a linha de frente do Cavs juntamente com Jarrett Allen e transformou os Cavaliers, até então frágeis, em um time competitivo. Diante disso, Mobley terminou em segundo na corrida de Rookie of the Year, atrás de Scottie Barnes.

Como qualquer novato talentoso, Evan Mobley apresentou dificuldades, e no seu caso foi do lado ofensivo. Os números eram modestos: cerca de 15 pontos por jogo. A finalização próxima à cesta era boa, porém Mobley demonstrava insegurança, pois faltava leitura confiável no ataque, fluidez para responsabilidades maiores. Além disso, os arremessos de média e longa distância tão falados no pré-draft pouco apareciam.

Quem costurou essa transição foi Darius Garland. Sua leitura de jogo, passes precisos e controle de ritmo criavam espaços para Mobley. Cada arremesso bem posicionado, cada corte em direção à cesta vinham do tempo e da paciência de Garland. Com isso, o armador carregou a criação do jogo, atraiu defesas inteiras e deu a Mobley um espaço controlado para se desenvolver sem ser esmagado pela carga ofensiva de imediato. Sem ele, a evolução do calouro teria sido mais lenta, mais insegura.

22-23: A consolidação como defensor e o guardião silencioso

Em seu segundo ano, com a chegada de Donovan Mitchell, as atenções voltaram para Cleveland, e os Cavaliers se tornaram um time de playoffs. Mitchell formou com Garland uma das menores duplas da liga, o que gerava preocupações defensivas. Com isso, Evan Mobley passou a ter um papel mais crucial, como uma espécie de “guarda-costas defensivo” da dupla de armadores, pois corria para ajudar nas infiltrações, protegia o aro ao lado de Allen e usava sua versatilidade para tapar os espaços deixados por Mitchell e Garland.

Nesse contexto, Mobley começou a ser descrito como o futuro “Defensive Player of the Year”. Seu alcance, sua mobilidade e sua inteligência defensiva o tornaram a atração principal. Mas esse sucesso também se fez em parte pela ajuda e o apoio de Jarrett Allen, que se tornou uma rede de segurança. Allen fazia o trabalho sujo: enfrentava pivôs mais fortes, absorvia pancadas, cobria espaços para que o novato pudesse ter mais confiança. Ele também protegia o aro enquanto Mobley saía para marcar o perímetro. Em números frios, Jarrett Allen parecia “mais um pivô defensivo”. Na prática, era inestimável.

No entanto, o ataque continuava a ser um problema para Evan Mobley, pois o seu arsenal ofensivo ainda parecia restrito. As tentativas de desenvolver um arremesso de três pontos não tiveram consistência. Algumas vezes, Mobley parecia ter uma postura mais passiva, o que gerava a ideia de que era um talento geracional apenas na defesa, mas ainda distante de se tornar uma referência no ataque.

Nos playoffs, a limitação ficou exposta. Contra o New York Knicks, Mobley sofreu diante da fisicalidade e da intensidade da série. Foi coagido por Julius Randle e Mitchell Robinson, incapaz de impor presença ofensiva ou abrir espaço com o arremesso. Cleveland caiu em cinco jogos, e Mobley saiu com a marca de um defensor brilhante, porém limitado ofensivamente.

23-24: O passo em falso

A terceira temporada de Evan Mobley foi, ao mesmo tempo, um passo adiante e um lembrete de que sua evolução ainda é um processo em construção. O jovem ala-pivô reafirmou sua solidez defensiva e sua importância estrutural para o Cleveland Cavaliers, mas ainda esbarrou em limitações ofensivas e em lapsos de impacto durante alguns jogos.

Mobley começou o ano mostrando sinais claros de progresso. Sua eficiência ofensiva melhorou em comparação às temporadas anteriores, pois agora era mais confiante em atacar do drible, em jogadas no poste, além de ter melhorado suas leituras em passes. Porém, o momento mais delicado veio em dezembro, quando Mobley precisou passar por uma artroscopia no joelho esquerdo, que resultou em uma ausência de quase dois meses, interrompendo o seu ritmo e limitando a continuidade no desenvolvimento.

Diante disso, em algumas partidas Evan Mobley passou despercebido no ataque, fruto tanto do sistema do Cavs quanto de sua agressividade irregular. Houve noites de “apagão”, em que Mobley ficou em segundo plano e não conseguiu influenciar o jogo ofensivamente. Ainda assim, defensivamente o jovem pivô manteve o seu padrão. Sua presença dava identidade ao Cavaliers: contestação de arremessos, cobertura de espaços e a versatilidade para defender múltiplas posições.

Nos playoffs, já sob pressão, a inconsistência voltou a aparecer. Mobley oscilava entre momentos brilhantes no lado defensivo e desaparecimentos do lado ofensivo. Porém, no jogo que selou a eliminação diante do Boston Celtics, Evan Mobley mostrou um vislumbre do potencial que Cleveland esperava ver com mais regularidade: com o time desfalcado, a jovem promessa obteve sua melhor performance ofensiva até então, marcando 35 pontos e mostrando que podia ter a capacidade de assumir responsabilidades em ambientes de alta pressão.

24-25: O auge e a queda

Diante da eliminação para o Celtics, o Cleveland Cavaliers trocou a sua comissão técnica, contratando Kenny Atkinson, reconhecido pelo desenvolvimento de jogadores. O novo treinador chegou a Cleveland com a missão de extrair o máximo do talento já existente no time. Consigo trouxe um sistema inovador que pregava igualdade, nada dependente de heróis solitários e isolations repetitivas. Essa nova abordagem consistia em movimentação de bola e definição clara de papéis, com a força na soma.

O sucesso não é só sobre quem chuta a bola, mas sobre quem deixa de chutar para que ela caia. Donovan Mitchell, um dos maiores nomes da liga, ajustou a sua própria grandeza em função do projeto coletivo — e, sobretudo, em função do crescimento de Mobley. Mitchell aceitou dar um passo atrás com menos volume de jogo, resultando em mais espaço para que jovens crescessem. Ele cedeu protagonismo também para que Mobley encontrasse seu espaço como referência ofensiva.

Com a consolidação do sistema de Kenny Atkinson e mais volume de jogo, Mobley evoluiu para um jogador muito mais completo, equilibrando eficiência ofensiva e impacto defensivo. Sua presença em quadra deixou de ser apenas complementar para se tornar estrutural em ambos os lados da quadra.

No lado defensivo, a evolução de Evan Mobley foi na consistência e leitura de jogo. Ele passou a se posicionar melhor, antecipar cortes e passes e coordenar rotações com mais precisão. A equipe se beneficiou de sua inteligência defensiva, refletida em menos pontos de segunda chance cedidos e maior eficiência coletiva com ele em quadra.

Ofensivamente, Mobley deu passos significativos. Antes restrito a finalizações próximas à cesta e pick-and-rolls simples, agora participa ativamente do fluxo do ataque, cortando, criando situações de vantagem e sendo mais perigoso mesmo em arremessos de média distância. Parte desse crescimento se deve ao ajuste natural do elenco, especialmente com Donovan Mitchell cedendo volume de jogo em certos momentos. Mitchell assumiu uma função mais seletiva, abrindo espaço para Mobley assumir responsabilidades ofensivas sem comprometer o rendimento da equipe. O resultado foi uma média mais alta de pontos, maior número de assistências e presença constante em momentos decisivos, inclusive em partidas de playoffs, sem depender apenas de arremessos isolados.

O impacto do equilíbrio entre defesa refinada e ataque mais ativo culminou em reconhecimento individual: Evan Mobley fez a sua primeira aparição no All-Star Game, conquistou seu espaço no segundo time All-NBA e no primeiro time All-Defense. Além disso, se tornou o primeiro Cavalier da história a ser consagrado como Defensive Player of the Year. Assim, Mobley mostrou que sua evolução não é apenas fruto de talento bruto, mas de adaptação tática, disciplina e oportunidades bem distribuídas dentro do time.

A temporada de 24–25 terminou cedo demais. As 64 vitórias, a defesa de elite, os prêmios individuais — tudo parecia anunciar um Cavs pronto para atravessar a primavera. Mas os playoffs, impiedosos, trouxeram um desfecho amargo. Lesões minaram a rotação, Mobley jogou no sacrifício, e aquilo que parecia solidez se revelou frágil diante da exigência de maio.

Ainda assim, foi nesse fracasso coletivo que nasceu um novo capítulo. Se a queda mostrou os limites de um time, ela também consolidou a narrativa de Evan Mobley como rosto do futuro. All-Star, All-NBA, Defensor do Ano — o carimbo estava dado. E, com ele, um hype que cresceu entre torcedores e imprensa: o “projeto Mobley franchise player”.

O problema é que essa narrativa começou a ganhar contornos perigosos. Em nome de exaltar o brilho do jovem, muitos passaram a olhar para os companheiros como supostos obstáculos. Mitchell, tratado como mentor e não como estrela em plena disputa de MVP. Garland, reduzido a coadjuvante. Allen, apontado como limitador em vez de sustentação. A derrota não carregava o nome de Mobley, mas a vitória que ainda não veio passou a ser pensada quase exclusivamente através dele.

Foi assim que, junto com o hype, nasceu a dúvida: até que ponto o brilho de um jogador precisa apagar os outros?

Talvez a questão não seja sobre o que Mobley já é, mas sobre o que ele só pôde ser graças ao cenário que o cercou. O brilho, por maior que seja, sempre depende de um fundo que o revele. E, se a narrativa recente insiste em transformá-lo no centro absoluto, talvez seja hora de cavar o que existe por trás dela: os silêncios, os sacrifícios, as escolhas que permitiram que esse projeto de estrela existisse. É uma arqueologia do protagonismo.

Quem é Evan Mobley sem a criação de Darius Garland? Sem o armador que abriu mão de ser apenas cestinha para se tornar maestro? Garland é quem dita o ritmo, quem encontra ângulos impossíveis, quem oferece a bola onde Mobley precisa receber. Quando o jovem pivô ainda não tinha confiança para arriscar do drible ou autonomia para ser foco ofensivo, foi Garland quem sustentou o ataque e manteve Cleveland vivo. Cada passo ofensivo de Mobley foi amparado pela generosidade de um armador que aceitou perder luz para que outro pudesse aparecer.

Quem é Evan Mobley sem a cobertura de Jarrett Allen? Sem o companheiro que aceita dividir o garrafão, enfrentar gigantes e fazer o trabalho sujo que não vira estatística? Allen é o corpo que absorve impactos, o silêncio que protege o espaço para que Mobley possa ser móvel, ágil, versátil. Ele nunca foi manchete, mas é a sombra que garante ao jovem pivô a liberdade de ser mais do que um protetor de aro comum. Allen cedeu terreno, cedeu números, cedeu até reconhecimento. Sem ele, Mobley teria que ser duas coisas ao mesmo tempo: o guardião fixo e o defensor elástico. Talvez conseguisse, mas não do mesmo jeito.

E quem será Evan Mobley sem o apoio e a liderança de Donovan Mitchell? Um candidato a MVP, um dos maiores talentos ofensivos da NBA, que na temporada passada já deu um passo atrás para abrir espaço ao crescimento dos mais jovens. Mitchell não é apenas o cestinha; é o pulso competitivo, a voz que empurra o time para a frente. Hoje, muitos já falam dele como se fosse apenas mentor de Mobley, como se sua própria grandeza tivesse virado um detalhe no caminho da promessa. Mas sem Mitchell, quem carrega a responsabilidade dos jogos grandes? Quem dá o tom emocional de um elenco que ainda busca maturidade?

A ascensão de Mobley não precisa ser lida como a sombra dos outros. Pelo contrário: ela é a soma deles. Allen não limita, sustenta. Garland não se apaga, organiza. Mitchell não some, lidera. Apagar esses nomes é distorcer a história do Cavaliers, como se o futuro pudesse nascer sem raízes.

A verdade é que ninguém precisa ser esquecido para que Evan Mobley brilhe. O desafio agora — para o time, para a torcida e até para a imprensa — é aprender a enxergar a estrela sem negar o céu que a sustenta.

25–26: A temporada da resposta

A temporada de 25–26 começa com outra atmosfera em Cleveland. O que antes era expectativa virou cobrança. O que antes era promessa virou exigência. Evan Mobley já não entra em quadra apenas como o jovem talento em ascensão, mas como o rosto que precisa provar que pode sustentar o peso de um projeto inteiro.

Não se trata apenas de evolução individual. A resposta que se espera de Mobley é maior do que números, prêmios ou estatísticas. É a resposta de um jogador que precisa retribuir os sacrifícios de Garland, Allen e Mitchell. É a resposta que mantém a franquia unida diante das pressões financeiras que ameaçam desmontar o elenco. É a resposta de um talento que não pode mais ser apenas futuro: precisa ser presente.

Para Cleveland, essa temporada é menos sobre descobrir quem Mobley pode ser e mais sobre confirmar se ele pode carregar o que lhe foi entregue. E, para Mobley, é o momento de transformar o brilho em liderança, sem deixar que a luz se confunda com solidão.

A história de Mobley até aqui não é apenas a história de um talento que cresce. É a história de uma rede que o sustenta, de um elenco que abriu mão de partes de si para que ele pudesse florescer. Se hoje Cleveland fala em futuro, é porque o presente foi construído com sacrifícios invisíveis. E é justamente por isso que a resposta de Mobley em 25–26 não será medida só por números ou prêmios, mas pela sua capacidade de honrar esse legado coletivo.

Toda estrela nasce de um brilho. Mas nenhuma estrela se sustenta sozinha. Precisa de um céu que a acomode, de outras luzes que aceitem dividir o espaço, de uma noite inteira que lhe dê contraste.

Evan Mobley é esse brilho em ascensão, mas Cleveland só verá sua verdadeira grandeza se aprender a enxergá-lo sem apagar o céu que o sustenta. Garland, Allen, Mitchell — cada um deles é parte do cenário que torna o brilho possível. A resposta que Mobley precisa dar em 25–26 não é apenas sobre provar que pode ser “o franchise player”, mas sobre mostrar que sua luz pode conviver com as outras, sem que nenhuma precise desaparecer.

Porque, no fim, não se trata de escolher entre estrela ou céu. Trata-se de reconhecer que um não existe sem o outro.

Foto: Instagram @cavs

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