Donovan Mitchell e o fardo de carregar o quase – Parte 2

O Cavs voltou a sonhar. Mas quem sustenta o sonho quando o corpo cede?

Donovan Mitchell chegou a Cleveland como quem assume uma missão. Não veio só para jogar — veio para marcar uma era. Em sua primeira série de playoffs com o Cavs, contra o Knicks, enfrentou o peso da expectativa, a frustração da inconsistência e o silêncio de um elenco que ainda não sabia competir em alto nível. Teve média de 23,2 pontos, com 43% nos arremessos e apenas 28,9% nas bolas de três — números que não traduzem a pressão sufocante da defesa nova-iorquina.

Mas Mitchell lutou. Lutou como sempre lutou. Forçou, errou — mas não se escondeu. Ao seu lado, Darius Garland foi rara companhia: um armador jovem que, mesmo em sua estreia nos playoffs, dividiu a carga e somou 21,6 pontos por jogo. Não foi uma série para consolidar glórias — mas foi mais uma em que Mitchell deixou o coração na quadra, mesmo quando tudo ao redor desmoronava.

Em 2024, Donovan Mitchell lidou com uma lesão no joelho durante a temporada regular e não se recuperou a tempo dos playoffs. Porém, como sempre em sua carreira, ele não joga apesar da dor — ele joga através dela. Como se cada incômodo fosse mais um motivo para não parar. E foi o que Mitchell fez quando liderou o time em 7 jogos, com 28,7 pontos de média e totalizando 89 nos últimos dois jogos.

Mas, acima de tudo, deixou uma ética: a de lutar pelo Cavs mesmo quando o Cavs não estava pronto para lutar com ele — o que foi exemplificado no jogo 6, no qual foi um exército de um homem só, fazendo 50 dos 96 pontos do Cavaliers na derrota para o Magic. Porém, no jogo 7, Mitchell fez o impossível: tirou seu time de um déficit de 18 pontos, incendiou, liderou e deu confiança aos seus companheiros de time com seu espírito competitivo, levando à primeira vitória do Cavaliers em uma série de playoffs em anos.

“Ele é um competidor”, disse Darius Garland. “Ele é um cara determinado. Ele é um vencedor — é só disso que ele fala. Ele quer que a gente supere esse obstáculo. Ele vai fazer de tudo para nos ajudar a superar isso.”

Na segunda rodada, o Cleveland Cavaliers foi eliminado pelo então campeão Boston Celtics. Donovan Mitchell dominava a série com 31,7 pontos por jogo e 53% de aproveitamento nas cestas de três — porém ele foi uma força até onde conseguiu. Sofreu um estiramento na panturrilha na terceira partida e não conseguiu continuar, sendo, de forma incomum, um desfalque nos jogos 4 e 5. Diante disso, o Cavs sentiu muito a sua ausência e não tinha força coletiva para evitar a eliminação iminente para o Celtics.

Em 2025, os Cavaliers chegaram com muita expectativa e como fortes candidatos ao título, após uma campanha espetacular de 64 vitórias. Na primeira rodada, o Cavs parecia ter aprendido a lição, pois o coletivo estava forte, com sete jogadores com médias de dois dígitos — e não dependiam tanto de Mitchell como anteriormente. A partir disso, o time de Cleveland varreu o Miami Heat com autoridade. 

Parecia que, finalmente, Donovan Mitchell passaria da segunda rodada. Porém, a possível corrida profunda na pós-temporada foi interrompida por lesões de diversos jogadores. Contra o Indiana Pacers, o líder do Cavs — assim como seus companheiros de time — lidou com lesões durante toda a série e, mesmo assim, teve médias de 41,3 ppg nas primeiras três partidas. No segundo jogo, por conta da ausência de seu parceiro de armação, Darius Garland, Mitchell lidou com muita carga ofensiva. Ele foi machucado e derrubado a noite inteira — e, mesmo assim, levantava, continuava a lutar e a honrar seu time, assim terminando a partida esgotado, com 48 pontos.

Com a volta de Garland, ainda no limite, o jogador de 28 anos jogou mais livremente — porém Mitchell agravou sua lesão no tornozelo e saiu no intervalo do quarto jogo.

No jogo 5, Donovan Mitchell se recusou a ser poupado. Mancando, lutou contra o relógio, o adversário e o próprio corpo — como se ainda pudesse mudar um destino já traçado. Havia 35 pontos na estatística final, mas isso não conta quantas vezes ele caiu, quantas vezes quase parou. E, mesmo assim, seguiu. Sempre em frente. A eliminação veio, mas o que ficou foi o rastro de um corpo esgotado e uma alma inteira. Porque Mitchell nunca desiste enquanto tiver um último ataque para entregar.

E, mais uma vez, a história terminou no mesmo ponto: não por falta de luta, mas por excesso dela. Contra o Pacers, Mitchell voltou a sangrar pelos cantos de uma quadra que já não lhe respondia. Jogou no sacrifício, suportou lesões antigas e recentes, carregou o Cavs no quarto decisivo com 16 pontos — e, mesmo assim, não foi suficiente.

A pergunta que pairava no início volta a ecoar com mais força: por que Donovan Mitchell chega tão longe, tão consistentemente — e, mesmo assim, continua barrado antes da linha final? O roteiro se repete, mas não por culpa dele — e sim pela estranha solidão dos que insistem mais do que deveriam.

O que há por trás da recorrência: talento desperdiçado, contexto desfavorável ou uma narrativa que se repete injustamente? E se o verdadeiro legado dele estiver nas batalhas que travou, não nos troféus que ainda não vieram? Será que estamos diante de um caso de fracasso — ou de uma história mal contada desde o início? 

Transformaram sua luta em fracasso só porque ele não venceu sozinho. Cobram dele finais de conferência, mas esquecem que o time só chegou até ali porque ele forçou o impossível a existir. Chamaram-no de estrela incompleta, mas não há nada mais inteiro que alguém que tenta, de novo, mesmo quando todos dizem que é o fim.

Esta é a história de um jogador que sangrou por vitórias — mas teve que engolir o silêncio de finais que nunca vieram. Não é sobre o que ele fez de errado. É sobre o quanto ele fez certo… e, ainda assim, não foi suficiente. É sobre a vitória que sempre esteve além das estatísticas.

Há algo de cruel e bonito no jeito como Mitchell transforma sofrimento em arte. Cada arremesso desequilibrado, cada explosão física, carrega o peso do que ele não mostra. Ele joga como quem tem pressa, mas carrega nos olhos a calma de quem sabe que, mesmo machucado, ainda é mais perigoso do que muitos saudáveis.

O que para muitos seria um limite, para Donovan Mitchell é um ponto de partida. A dor, para ele, é só mais uma parte da quadra. Mitchell é daqueles que jogam como se cada jogo fosse o último. Porque, para ele, às vezes, a dor faz parecer que realmente pode ser.

O que significa perder, quando se lutou até o último segundo com o corpo em frangalhos?

O que separa um competidor de um verdadeiro vencedor não é o talento — é a ambição.

Competidores entram em quadra para fazer o possível. Vencedores, por outro lado, são incansáveis: perseguem suas melhores versões todos os dias, mesmo quando ninguém está olhando. São os que se entregam por completo ao time. Que aparecem nos momentos difíceis, não por vaidade, mas por lealdade. Que sacrificam estatísticas, fama — e, às vezes, até a própria saúde — em nome da camisa que vestem.

É exatamente isso que define a jornada de Donovan Mitchell na NBA: não os títulos que ainda não conquistou, mas o modo como reagiu aos tombos — como se recusou a aceitar que seu limite fosse onde todos diziam que era. Sua grandeza não está apenas nos números — embora eles digam muito: sexto maior pontuador da história dos playoffs em média, protagonista de algumas das atuações mais lendárias da era moderna. Sua grandeza está no que ele entrega quando tudo ao redor falha. Quando a estratégia desmonta, os colegas caem, o físico trai — e, ainda assim, ele permanece.

Mitchell é a definição de um jogador de playoffs — não porque vence sempre, mas porque compete como se fosse vencer, mesmo quando sabe que talvez não consiga. Seu legado não se mede em finais de conferência, mas na raridade que representa: um atleta que sangra em quadra por uma franquia que poucos defenderiam com tanto amor.

E talvez seja esse o ponto. A NBA tem muitos arremessadores, muitos all-stars, muitos nomes que enchem estatísticas. Mas jogadores como Donovan Mitchell são escassos.

A história ainda dirá se ele será campeão.

Mas já está claro: ele é — e sempre foi — um dos maiores.

Foto: @cavs /Instagram

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