Donovan Mitchell e o fardo de carregar o quase

Não é sobre o que Donovan Mitchell fez de errado. É sobre o quanto ele fez certo… e ainda assim, não foi suficiente.

Semifinais da Conferência Leste, jogo 5, 3-1 de revés, um minuto e seis segundos faltando para o término do terceiro quarto, Donovan Mitchell volta para a quadra após retornar do vestiário por não suportar a dor. Eram nove pontos atrás do placar, e agora ele teria que lutar contra o próprio corpo para entregar alguma coisa — qualquer coisa — que mantivesse o Cavs vivo. Porém, seus 16 pontos no último quarto não foram suficientes. O Cleveland Cavaliers foi eliminado e, como sempre em sua carreira, Mitchell não avançou para as finais de conferência. Por que, ano após ano, Donovan Mitchell chega tão longe — e, mesmo assim, não longe o bastante?

Donovan Mitchell foi selecionado como a 13.ª escolha do Draft de 2017, pelo Denver Nuggets, porém foi trocado imediatamente para o Utah Jazz. Já na Summer League, Mitchell surpreendeu e impressionou com 37 pontos. Em sua temporada de calouro, obteve médias de 20,5 pontos e marcou 41 pontos em dezembro — recorde de pontuação para um rookie do Jazz, quebrando a marca de Darrel Griffith de 1981. Ele também foi nomeado várias vezes Rookie do Mês e foi eleito ao All-Rookie First Team.

Em sua primeira aparição nos playoffs, Mitchell não sentiu o peso da estreia e agarrou a responsabilidade, apesar do tornozelo machucado. Ele comandou seu time para a vitória da série contra o Oklahoma City Thunder, no Jogo 6, com 38 pontos. Mitchell obteve 28,5 pontos de média e se tornou o primeiro novato a liderar um time em pontos por jogo desde Carmelo Anthony, em 2003-04.

Após a vitória épica contra o Thunder, o Jazz chega embalado, porém precisava enfrentar um Houston Rockets com um backcourt experiente, comandado por Chris Paul e James Harden. A precisão nos arremessos e os pontos caíram para Donovan Mitchell, pois o novato não soube lidar com a defesa pesada de Houston e a falta de coesão ofensiva do seu time, resultando em desempenhos inconsistentes — incluindo partidas com menos de 20 pontos. Seu único momento de chama foi no jogo 5, quando marcou 22 pontos no terceiro período, porém machucou o pé, saiu mancando e não retornou mais para a partida. Como resultado: a primeira eliminação da carreira de Mitchell.

“Eu não fiz muita coisa no geral, como se não estivesse lá”, disse Mitchell. “Isso não pode acontecer. Provavelmente será isso que eu levarei como lembrança. É como se fosse melhor eu não ter aparecido, porque foi o que eu fiz. Não apareci para os meus companheiros de equipe, e vou consertar isso.”

Em 2019, na primeira rodada dos playoffs, o Utah Jazz voltou a enfrentar os Rockets. Mitchell ainda mostrava irregularidades com a pressão da defesa de Houston, comprometendo sua produtividade com o isolamento excessivo e falhas na eficiência. O jovem ala-armador ainda demonstrou capacidade de reação e explosão nos jogos 3 e 4, mas sua inconsistência ficou exposta sem coadjuvantes brilhantes. Porém, mesmo adversário, mesmos erros, pois nas duas séries Utah carecia de um plano B ofensivo — e também de suporte para o novato. Esses confrontos exemplificam bem como Mitchell, apesar do talento e da capacidade de brilhar, lutou contra equipes mais bem montadas taticamente — e contra sua própria oscilação.

Na bolha da NBA, em 2020, contra o Denver Nuggets, Donovan Mitchell desafiou a lógica, o cansaço e protagonizou uma das séries mais históricas dos playoffs recentes ao duelar contra o Denver Nuggets. Foi uma das maiores sequências de impacto individual da carreira de Mitchell — não apenas em números, mas em presença. Ele abriu a série com 57 pontos (a terceira maior marca da história dos playoffs) e voltou a ultrapassar 50 no jogo 4. Mas, à medida que a série avançava, o ala-armador se tornava um líder e tentava envolver o time — mesmo quando a ajuda começava a falhar. Apesar de performances épicas, o Jazz desperdiçou uma vantagem de 3 a 1, e, no amargo jogo 7, Mitchell rompeu em lágrimas no chão, em choque, pois uma perda de bola nos segundos finais selou a derrota por 80 a 78. Essa série não foi uma derrota. Foi uma denúncia: o quanto um jogador pode fazer — antes de finalmente cair.

 “Este não é o fim. Estou apenas arranhando a superfície. Sei do que sou capaz, o quanto trabalhei duro, o quanto esta equipe trabalhou duro. Este não será o fim. É isso que me impulsiona. Este não é o fim. Este é apenas o começo. Estou pronto para voltar ao basquete agora. Acho que todos nós estamos. Este é apenas o começo.” — disse Mitchell, após a eliminação.

Em 2021, Donovan Mitchell sofreu uma entorse no tornozelo direito no final da temporada regular e ficou afastado por 16 jogos. Ele perdeu o jogo 1 da primeira rodada contra o Memphis Grizzlies, mas retornou no jogo 2 e comandou seu time para a vitória em cinco jogos, com uma média de 28 pontos — porém seu tornozelo não estava totalmente recuperado. 

Na segunda rodada, contra o Los Angeles Clippers, o Jazz foi eliminado por 4-2, e Mitchell se manteve em quadra custe o que custar, com a dor aumentando progressivamente. Fez 45 pontos no primeiro jogo, 37 no segundo e, no último, tentou evitar a eliminação marcando 39 pontos, 9 rebotes e 9 assistências — um desempenho heróico mesmo no limite. O líder do Jazz teve médias de 34,8 pontos e converteu 6 bolas de três por jogo, mesmo desequilibrado em muitos arremessos por conta da dor. Mitchell não foi apenas brilhante tecnicamente: ele foi resiliente, insistente e fiel ao próprio discurso de luta. Mesmo lesionado, se recusou a abandonar o time. E o mais impressionante? Nunca usou a lesão como justificativa ou vitimismo. Não era só talento. Era sacrifício — era uma declaração silenciosa de amor ao jogo.

 “Ele é um guerreiro”, disse o técnico do Jazz na época, Quin Snyder. “É um jogador único, com a competitividade e o desejo de jogar apesar desse tipo de sofrimento.”

Em seus últimos passos com a camisa do Jazz, Donovan Mitchell já não caminhava com leveza — o corpo pesava, o sistema colapsava, e a dor, antes disfarçada, agora gritava em voz alta. Contra o Dallas Mavericks, mesmo enfrentando a ausência inicial de Luka Doncic, o Utah foi exposto: frágil em suas conexões internas e previsível em suas escolhas táticas. Mitchell anotou 25,5 pontos por jogo de média e lutou como pôde: voltou a atacar o aro, mesmo com o tendão posterior da coxa pedindo rendição. No jogo final, limitou-se a 9 pontos, já mancando — mas, ainda assim, deu o último passe da temporada. Não foi um arremesso heroico, foi um passe de Mitchell. Foi um gesto de confiança. A bola não caiu, mas a história já tinha sido escrita. E, quando tudo desmoronou, ele foi o último a sair. Não houve escândalo — apenas silêncio. Não houve pedido de troca — apenas o eco de uma eliminação que selou mais do que uma temporada: selou um ciclo.

Esta é a Parte 1 de uma matéria especial sobre a carreira de Donovan Mitchell.

✍️ Na Parte 2: A chegada a Cleveland e as tentativas de reescrever seu destino — enfrentando novas dores, novas promessas e o mesmo peso de sempre.

Leia aqui a Parte 2

Foto: @cavs / Instagram

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